
Eu, filha de pai hipocondríaco, criei um verdadeiro trauma de automedicação.
A minha estratégia é: deixar doer, afinal, em algumas horas o desconforto passa e tudo volta ao normal.
Entretanto, contrariando minhas expectativas, passei os últimos dias com uma dor de cabeça maligna. Sim, só poderia ser algo demoníaco para causar um desconforto tão intenso. Para completar o caos, meu olho direito doía a cada movimento, um horror constante.
Após dias de sofrimento, resolvi procurar um daqueles sinistros homens de branco. Não um curandeiro, mas sim, um médico.
Após alguns minutos de espera sôfrega, aconteceu a tão aguardada consulta. O doutor segurou minha cabeça e começou a apertá-la em pontos distintos enquanto perguntava:
- Dói aqui?
- Não
- E aqui?
De repente ele apertou o olho esquerdo e repetiu a pergunta.
- Também não, só estou sentindo a pressão de seus dedos - resnpondi.
- Agora o direito.
- Puta que pariu um jegue! – pensei.
Vi estrelas. Agora a dor estava over² x 25.000.
Ele me olhou com uma expressão preocupada e disse:
-Veja bem, vou encaminhá-la para o hospital oftalmológico, precisamos de alguns exames para descartar a hipótese de glaucoma.
- Puta que pariu² x 25.000 – pensei.
- Por causa da dor... bem, eu não tenho certeza, só com exames. Volte com os resultados para que eu possa avaliá-la, pois pode ser apenas uma forte enxaqueca.
Lá fui eu, me fazendo de durona, tentando transparecer que aquela sombria hipótese não me afetara em nada. A verdade é que, naquele momento, nunca desejei tanto uma crise de enxaqueca.
Chegando ao Centro Brasileiro da Visão, após fazer toda a parte burocrática, fui ao banheiro, olhei-me no espelho e orei:
- Puta que pariu, Deus! O Senhor já me livrou de acidentes automobilísticos, de um câncer, de assaltos, estupros, quedas de barrancos, enfim, segurou minha mão no momento em que mais precisava e eu me distanciei. Agora, se isto for verdade, pode crer que esta foi a maior peça que já me pregou.
Silêncio. Ninguém me respondeu. Então prossegui meu lamento:
- Veja bem, Deus. Não vou bancar a hipócrita, tentando parecer uma boa menina só para o Senhor fazer um milagre e a médica dizer que eu não tenho nada, mas eu estou com um medo danado de ficar com o meu olho inútil. Bom, é isso.
Saí e aguardei mais uns instantes com meu esposo ao lado, segurando minha mão, tão tranquilo. Conversávamos sobre qualquer coisa.
Logo, a doutora me chamou e começaram os exames. Colírios anestésicos luzes amarelas, outra de tom azul para aferir a pressão ocular, testes e mais testes. Enfim o diagnóstico:
- Natália, seu olho está normal, não há glaucoma.
Olhei para cima e pensei:
- DEUS, ‘valeu’² x 25.000!
Voltei para o outro hospital, feliz, com um laudo debaixo do braço, a forte crise de enxaqueca - que foi sanada algumas horas depois através de medicação intravenosa - e a certeza de que não terei que aprender
braille por tão cedo, ao menos, não por causa disso.
Nunca amei tanto os meus olhos, nunca notei o quanto meu esposo me apóia, nunca falei com o Senhor dos Exércitos com tamanha fé e, claro, sinceridade.
Imagem: Arquivo pessoal
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